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#007 [ Amarelo Submarino | Hybris | Boteco Ruído 23 ]

Olá, bem-vindas à nossa 7ª newsletter, mais de um ano após a sexta. Mas não porque não estivemos a fazer coisas, como vocês podem conferir em nosso bandcamp, instagram, twitter, youtube ou archive. De todo modo, apresentamos aqui um material complementar sobre os álbuns [#094] HYBRIS: Ocarinas do Mestre Nado, por Henrique Vaz, Hugo Medeiros, Lucas Alencar e Marcelo Campello; e [#091] Without the Beatles, por Henrique Iwao, Mário Del Nunzio. Terminamos com uma resenha, por Ricardo Nachmanowicz, de um de nossos eventos em Belo Horizonte – o Boteco Ruído #23: Sumalgy Nuro + Trio QI (Ajítenà-Bizzotto-Iwao).

For english version scroll down or press here.


Henrique Vaz escreveu sobre Hybris: Ocarinas do Mestre Nado, seu álbum em colaboração com Hugo Medeiros, Lucas Alencar e Marcelo Campello. Segue o texto:

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Pés e mãos moldam o ensurdecedor silêncio de existências argilosas. Entre o fogo e o relato, o barro verte-se em cerâmica. O sopro faz do barro um berro… Divina transgressão, hybris!

Nos mitos de criação nada surge se não vier acompanhado de uma hybris. Na Teogonia, deuses só nascem após a hybris de Cronos ao castrar o pai. Na Gêneses, a hybris de Adão e Eva os emancipa de deus. Toda transformação envolve uma paixão descomedida.

É possível uma existência sem excesso? O descomedimento ora define a hybris como pecado. Ora é psicologizada como os excessos de uma deformação psíquica. O mitógrafo Apolodro afirmará que Apolo assimilara a arte da profecia com Pã, filho de Zeus e Hybris — a nascida da escuridão (Érebo) e da noite (Nix). Não seria ela mesma, a escuridão, uma modalidade de visão? É graças à hybris de Odisseus que uma situação de caos foi restaurada.

A hybris nomeia a transgressão do métron que resulta numa perigosa proximidade com os deuses determinando a timé de cada vivente: é dotar-se de areté e povoar um limite em desmoronamento — para o universo latino é o estar possuído por paixões. A hybris se manifesta como uma intimidade criada: cai-se em hybris portando-se um numem: trata-se de canalizar uma energia

Entre o fogo e o relato, o barro e o berro, entre os pés confundidos pelas mãos e as mãos inspiradas pelos pés, segue nesta criação o registro de uma vivência no ateliê do mestre Agnaldo da Silva, o mestre Nado. Menino criado solto nas ruas de Olinda, hoje no alto dos seus 79 anos — mais de 60 dedicados ao barro — Nado, aluno e professor em seu ofício, repassa adiante a lição assimilada com o tempo: “na vida sempre estou aprendendo, temos que ser como a argila que se deixa moldar para ser transformada”. Recuperar a hybris enquanto símbolo de criação e função redentora orientou esta investigação enredada pelo Grupo de Pesquisa Gambioluteria. As câmaras globulares moldadas pelas mãos do Mestre em suas ocarinas aqui recebe a hybris do sopro…


Henrique Iwao nos contou um pouco sobre o processo envolvendo a criação do álbum Without the Beatles e o resgate do material, gravado em 2007! Ele e Mário Del Nunzio forneceram também comentários sobre cada uma das faixas. De quebra, com filmagens daquela época, foi feito um videoclipe para Amarelo Submarino, de Del Nunzio.

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Em 2007, reunimo-nos eu (Henrique Iwao), Mário Del Nunzio, Rafael Montorfano (AKA Chicão) e Lucas Araújo, com a intenção de gravar um álbum de músicas para piano, supostamente baseadas em canções dos Beatles. O projeto fazia parte dos planos que tínhamos para nossa banda – O “Mundo” Entre Aspas – uma banda que realizaria coveres entre aspas: versões diversas das músicas escolhidas, mas sem se comprometer com a fidelidade aos originais. Ademais, ao menos eu e Mário andávamos ouvindo Michael Finnissy – Verdi Transcriptions, por exemplo, e queríamos tentar algo do tipo. Assim, cada um de nós escolheu entre 4 e 5 canções. De sexta à noite a segunda de manhã, em uma escala de gravação que iniciava cedo e ia madrugada a dentro, frequentamos o auditório do Instituto de Artes da Unicamp. Levamos o computador e a placa de som pré-amplificada que eu tinha acabado de adquirir; usamos 5 microfones gentilmente cedidos pelo departamento de música. Tocamos o piano de cauda inteira Kawai até a exaustão (o que não foi exatamente bom: em uma sessão com Montorfano e Araújo 3 cordas do registro agudo se romperam).

O resultado foram alguns gigabytes de áudio, cobrindo o plano inicial, à exceção de duas faixas por Montorfano. A versão de Yesterday de Araújo – Dia de Páscoa (uma imitação gestual atonal, gros- seira e primitivesca da canção original) – acabou dando origem a um EP homônimo, lançado em abril de 2007. Este continha também uma paródia de Because (Pelo Motivo de Que), gravada por Montorfano e combinada a uma letra em um português cheio de mal-entendidos propositais. Além disso, o EP continha outras faixas com materiais lá grava- dos, incluindo uma interpretação do Cânone de Pachelbel. Mas só. Isto é: as outras faixas – as vinhetas gravadas pelo membro honorário da banda Alexandre Torres Porres, e a faixa tocando o single de Araújo, como banda, “ao vivo” – com baixo, guitarra, 2 teclados e bateria eletrônica – já eram um desvio. Mesmo que, nessa época, eu tivesse mixado minha versão de Penny Lane e Del Nunzio suas versões para Help, Twist and Shout e Yellow Submarine, o álbum intencionado não saiu do papel.

Não obstante, de tempos em tempos eu re-escutava com prazer as faixas que tinham sido finalizadas, e sempre as mostrava para amigos que apreciavam minha produção musical. Quando manuseava meu backup digital, passava os olhos sobre a pasta Tributo aos Beatos com ternura, pensando: algum dia, quiçá, retomamos esse projeto e publicamos o álbum planejado.

Dezesseis anos depois, durante o período de limbo que acomete todos aqueles que terminam teses de doutorado, revisitei o material e comecei a trabalhar. Dois meses depois, intimei Del Nunzio a terminar sua quarta faixa – eu tinha minhas outras três prontas, mais algum outro material (duas faixas de Araújo e uma de Montorfano, que acabaram ficando de fora; duas canções bônus que, devido ao tom escrachado e despretensioso, não cabiam – publiquei-as no EP digital 4 Arranjos). Então, em dezembro de 2023, viajei a São Paulo para o trabalho de masterização. Um terço de Olá Adeus e Alameda Pipi foram descartados; A Que Vem o Filho foi reordenada completamente. Ajustamos volumes e debatemos sobre a compressão em Ela Ama-Te. O álbum ia rolar.

Mas não exatamente como planejamos durante a juventude, é claro. O fato é que adorávamos inventar planos mirabolantes, em nossos inúmeros “ensaios teóricos”. O encarte, por exemplo, deveria conter um “texto bizarro sobre besouros e os erros mais comuns cometidos ao referir-mo-nos a eles e seus hábitos”. Ao invés disso, contém essa pequena história. E comentários subsequentes sobre as faixas, finalizando com os comentários do Mário sobre as peças dele. O título do álbum adquiriu um tom mais sóbrio, que reflete a musicalidade das peças. Para garantir coerência e consistência musical, acabamos por nos restringir às nossas peças (Araújo e Montorfano há tempos se interessam por outras searas, fora e dentro da música). Sem os Beatles é, para mim, a realização de um sonho, um pequeno, mas valioso, sonho. Espero que apreciem.

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Adeus Olá: eu nunca tive um telefone celular e mesmo no fixo não atendia chamadas se estivesse em meio a outra tarefa. Então, quando fui pensar o que fazer para adaptar Hello Goodbye, uma das minhas músicas prediletas dos Beatles, a ideia que eu nunca atendia o telefone foi levantada. Por isso o começo um pouco lúgubre, no qual os celulares dos outros integrantes ligam para mim, mas não são atendidos. Como eles estavam posicionados dentro do piano, sobre as cordas e vibrando, produziram belos sons graves. São acompanhados por acordes misteriosos, que introduzem a sonoridade de piano preparado que vai dominar a segunda parte da composição. Eu queria um clima de celebração equivalente ao da coda da música original, e pedi então para Valério Fiel da Costa, especialista em preparação de piano (entre outras coisas), inserir parafusos e borrachas entre as cordas, de modo que todas as notas contivessem conteúdo espectral compatível com o acorde de ré maior. Quatro horas depois, pude gravar divagações em torno de ré maior, contrastando o material com escalas assimétricas à lá Xenakis, para dar alguma mobilidade ao tecido sonoro. Aqui era preciso dizer olá, e gravei cada membro da banda gritando, com a boca volta- da para as cordas, a fim de captar a ressonância. Philip K. Dick tem um livro de premissa ridícula – Counter-Clock World, onde o tempo retrograda e as pessoas se cumprimentam dizendo goodbye (tchau), despedindo-se com um hello (oi). Com o derradeiro olá eu queria também imprimir algo grandioso, de despedida final. Tentei algo que soasse como uma menção ao wall of sound (paredão de som) de A Day in the Life.

A Que Vem o Filho: como os títulos das músicas evidenciam, a prática da má tradução não era apenas uma metáfora para certas operações composicionais que empregávamos. Here Comes the Sun tem sun lido como son (filho) e “aqui” (here) substituído pela expressão quase homófona “a que”. Preparei, antes das gravações, dois arranjos em cima da melodia da canção dos Beatles – uma versão Amelie Poulain e uma versão mashup com White Trash Heroes, da banda Archers of Loaf. Ambas não entraram na composição final, mas figuram na versão engraçadinha, disponível no EP 4 Arranjos. Uma variação do primeiro arranjo se transformou no final da peça, e improvisos em cima da segundo deram origem às seções 2 e 5 (que eram também para ter um clima agitado, lembrando o movimento final da Sonata 7, do Prokofiev). Entre elas há uma tentativa de transformação do original em ladainha, gravada enquanto ouvia a gravação dos Beatles, seguida de uma série de ataques em martelato, tão deformados melodicamente em relação ao ponto de partida que se tornam apenas uma seção contrastante. O todo tem esse caráter de mosaico de abordagens, com um começo inexplicável até mesmo para mim.

Alameda Pipi: originalmente, como concebida e mixada em 2007, consistia em 9 improvisos, sobrepostos 3 a 3. Quando estávamos masterizando, chegamos à conclusão que a seção do meio, além de ser menos expressiva, não era necessária estruturalmente. Tenho até hoje o plano de gravação da época, que diz para tocar um improviso, imitando (i) a linha de baixo de Penny Lane, enquanto escuta a música dos Beatles nos fones de ouvido. Depois, fazer o mesmo, mas escutando a gravação do improviso ao piano nos fones. Em seguida, repetir, agora escutando a segunda gravação. Realizada a linha do baixo, o processo deve ser feito novamente, agora começando com uma imitação (ii) da linha de piano de Penny Lane, e por fim (iii) da música original como um todo. Feito isso, bastaria sobrepor as três primeiras gravações, seguindo com as três segundas e as três terceiras. Como vocês podem ouvir, tratei a noção de imitação de modo bastante flexível. O importante era tocar piano para valer.

Patati Patatá: versão desconstruída da canção Patati Patatá (A Vida Vai), por sua vez paródia de Ob-la-di, Ob-la-da. Apesar do meu apego, a música dos Beatles é boba sem conseguir ser leve – seu arranjo arrastado não ajuda. Inicialmente, preparei uma partitura – transpus tudo para tom menor, procurando explorar o peso, sentido no original, como pesar. Tornei tudo mais dramático, mas procurando manter o lado patético em vista, procurando um certo distanciamento. As sequências deveriam lembrar algo teatral, talvez Kurt Weill, talvez a ideia de um cabaré gótico. Na hora da gravação, toquei muito mal e tive de repetir inúmeras vezes as sequências simples do acompanhamento. Assim, quase me desesperei, em 2023, quando tive de lidar com tantos erros, na etapa de edição. Os dias passaram e eu tive um momento de iluminação. A composição seria realizada selecionando e reordenando os erros mais interessantes. Tomando, de modo crítico, o erro como material. Ao invés de apagá-los, jogar com seus ritmos e pausas. Se a vida vai (life goes on), é porque há dias e dias. E há aspectos interessantes também nos dias que se alinham à incapacidade.

Comentários de Mário Del Nunzio sobre suas peças:

Ajudai: versão dramática da canção original. Estrutura-se com a alternância de dois elementos principais: um jogo denso de acordes alternados em dois pianos (que ocasionalmente dispara samples da canção) e uma linha melódica que guarda certa similaridade com a da canção referenciada, ao centrar-se ao redor de uma nota polarizada, insistentemente repetida.

Ela Ama-Te: trata-se de uma música para piano e sons eletroacústicos obtidos, basicamente, por modulação em anel. Diferentemente das outras três músicas, foi editada apenas em 2023, e sem muita clareza quanto ao que era o plano original da gravação. Deparei-me com uma sequência razoavelmente linear de cerca de 100 acordes (expandindo, em passos pequenos, do registro médio aos extremos do piano), tocados de diferentes maneiras (staccato, com ressonância, arpejado de modo linear e não-linear). Criei, então, uma estrutura baseada na demarcação das características rítmicas da música original – só que tocada a 50% da velocidade. Também aproveitei a música original para fazer algumas das modulações utilizadas na parte eletroacústica. Mesmo assim, é a faixa que possui menores relações com a canção de origem.

Requebra-Te e Grita: um acorde, congelado, acorde este utilizado infinitas vezes em todo o repertório da música ocidental ao longo de X séculos mas que, talvez por motivos sócio-econômicos, pode ser interpretado como índice de uma canção específica.

Amarelo Submarino: diferentes elementos, provenientes exclusivamente do verso da canção original, aparecem sobrepostos, com sutis distorções e espalhados por todos os registros do piano. Cada um desses elementos foi gravado com dois anda- mentos diferentes: um mesmo aplicado a todos e um diferente, específico para cada elemento. Dessa forma, a música opera entre a unidade rítmica e a sobreposição de diferentes andamentos, construindo, a cada momento, novas resultantes das relações entre as camadas. Quase escondida no final, uma pequena piada, com um longo fade out – referência indireta a um procedimento que pode ter ocorrido (não garanto) em mais de uma faixa da banda “homenageada”.

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Em julho de 2024, Del Nunzio e Iwao estiveram no programa de Supertônica, da rádio Cultura FM, conversando com Arrigo Barnabé sobre o álbum. Dá para ouvir acessando aqui.


Ricardo Nachmanowicz: Ouvirlivreimprovisação

A noção de que a escuta da música improvisada (livre, pelo menos) deva estar direcionada para a presença dos músicos, permanentemente atualizada, constitui uma aposta frágil, a meu ver, para o senso de escuta da improvisação. Se não me engano, e é sempre um prazer me enganar sobre esses assuntos, Barnett Newmann foi o primeiro a reivindicar a presença como função (o termo é de Kosuth) para a arte:

Olhando do local você sente, ‘Aqui eu estou’, aqui… e lá fora [além dos limites do lugar] há caos, natureza, rios, paisagens… Mas aqui você capta uma noção da sua própria presença… Eu me envolvi com a ideia de tornar o espectador presente: a ideia de que ‘Homem é presente’.

Há contrastes importantes em relação à música. Newman fornece uma obra acabada, pensada com antecedência, separada da natureza e do caos. A presença, nesse caso, toma a duração que julgarmos necessária para aquele encontro, pelo tempo em que emanarem as ondas predeterminadas da obra.

Daqui em diante reporto às improvisações do Boteco Ruído #23 na Galeria Mama/Cadela, ocasião em que pude pensar sobre essas questões ouvindo a Sumalgy Nuro, Patrícia Bizzotto, Henrique Iwao e Marco Scarassatti.

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O local, evidentemente, produz um recorte e nos separa do resto do mundo, contudo, quando os músicos começam, ninguém está ainda separado do caos nem da natureza do som. Somente a presença, em música, não constitui a improvisação. O que a presença confere não é nada diferente de sons não constituídos, sons que a natureza produz; não constrangidos a uma forma. Deixar-se guiar somente pela presença, pelo modo da curiosidade ou pela atualização, realiza o que estou chamando de um senso frágil de escuta. Digo que é um senso superficial pois que pouco ganhamos quando estamos difusamente orientados pela curiosidade, passeando entre o que acontece, imediatamente ocorre ou o que ainda irá ocorrer; o mesmo sobre a presença física dos músicos. Estou propondo que ouvir a música improvisada livre não se equipara a uma terapia de troca de frequências por abalos psíquicos, atualização de estados de probabilidades numa ilha de estranheza ou vigência de um regime do ‘tudo pode acontecer’.

Tenho em mente fazer um complemento à tese da invariância do livro Morfologia da obra aberta de Valério Fiel da Costa. A tese, em resumo, diz que os músicos, no contexto de um estilo de improvisação não idiomática, como é o caso em uma improvisação livre, são, cada qual, irredutivelmente, um idioma próprio, mesmo que em um universo não idiomático. Quero pensar esse exato contexto para caracterizar não a estruturação da obra, mas o senso de escuta pelo qual um público se torna capaz de captar o jogo complexo das invariâncias, como caracterizado por Valério.

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Uma vez descartada a centralidade da concepção da presença, em música, adoto a concepção de senso de escuta como a atitude guia em contexto musical. Em improvisações idiomáticas, como a do rock ou blues, possuo um senso de atenção e concentração apropriado. É possível julgar uma improvisação desse tipo como original, difícil, entusiasmante, etc. É possível comparar o fôlego dos músicos. É possível demarcar erros e inseguranças. Nos deparamos com o estilo pessoal através dos tipos frasais, timbres e acentos.

Na improvisação livre ocorre que também há um senso de escuta, há coisas a serem feitas e buscadas, trabalho; coisas diferentes de ser afetado ou apenas deixar-se ocupar pela presença. Há uma função de escuta na improvisação livre, enumero. Não há a noção de erro de execução. Mas há a noção de comprometimento dos músicos perante as possíveis atmosferas ou estéticas resultantes dos sons emitidos em presente aberto. Não há a noção de dificuldade ou simplicidade de execução. Há atenção para os ciclos de entrada e saída dos instrumentistas, as interações, diálogos e soluções diante os diferentes idiomas. Continuidade ou descontinuidade não configuram telos da escuta. O senso de escuta configura, na improvisação livre, personalidades instrumentais; definidas enquanto resultante das invariâncias percebidas através dos jogos assumidos pelos instrumentistas, e, negativamente, através daquilo do qual não conseguem reduzir nem somar a si próprios. As personalidades instrumentais vão sendo formadas ao longo da escuta, são o semblante atmosférico das invariantes de escolha, decisão, silencio, saída, ironia, afronta, etc.

Na improvisação livre, acontece que, virtualmente, tudo poderia acontecer, mas que, efetivamente, há, tempo e espaço, suficiente, para que somente uma pequena parte, de tudo o que poderia acontecer, possa acontecer. Simetria ou igualdade não conseguem acontecer. Equipolência ou paridade não conseguem acontecer. E assim acontece na improvisação. Em tese tudo pode acontecer, mas calhou de sermos, quem somos; será em uma fração de um pequeno espaço e em uma escala reduzida de tempo que reconstruiremos tudo ao ouvir livre improvisação.


ENG

Hello and welcome to our 7th newsletter, more than a year after the sixth. But not because we haven’t been doing stuff, as you can check out on our bandcamp, instagram, twitter, youtube or archive. In any case, here we present complementary material on the albums [#094] HYBRIS: Ocarinas do Mestre Nado, by Henrique Vaz, Hugo Medeiros, Lucas Alencar e Marcelo Campello; and [#091] Without the Beatles, by Henrique Iwao, Mário Del Nunzio. We end with a philosophical review, by Ricardo Nachmanowicz, of one of our events in Belo Horizonte – Boteco Ruído #23: Sumalgy Nuro + Trio QI (Ajítenà-Bizzotto-Iwao).


Henrique Vaz wrote about Hybris: Ocarinas do Mestre Nado, his album in collaboration with Hugo Medeiros, Lucas Alencar and Marcelo Campello. Read below:

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Feet and hands shape the deafening silence of clay existences. Between fire and tale, clay is poured into ceramics. The breath turns the clay into a call… Divine transgression, hybris!

In creation myths, nothing comes into being unless it is accompanied by hybris. In Theogony, gods are only born after Kronos’ hybris in castrating his father. In Genesis, Adam and Eve’s hybris emancipates them from God. Every transformation involves reckless passion.

Is it possible to exist without excess? Recklessness sometimes defines hybris as a sin. Sometimes it is psychologized as the excesses of a psychic deformation. The mythographer Apollodorus claimed that Apollo had assimilated the art of prophecy from Pan, son of Zeus and Hybris – the one born of darkness (Erebus) and night (Nix). Wasn’t darkness itself a form of vision? It was thanks to Odysseus’ hybris that a situation of chaos was restored.

Hybris names the transgression of the métron that results in a dangerous proximity to the gods, determining the timé of each living person: it is endowing oneself with areté and inhabiting a crumbling frontier – for the Latin universe, it is being possessed by passions. Hybris manifests itself as a created intimacy: one falls into hybris by carrying a numen: it’s about channeling an energy

From fire to tale, clay to scream, through feet confused by hands and hands inspired by feet, this creation is the recording of an experience in master Agnaldo da Silva stuio – mestre Nado. A boy brought up loose on the streets of Olinda, today in his 79s – more than 60 years dedicated to clay – Nado, a student and teacher of his craft, passes on the lesson he has learned over time: “in life I’m always learning, we have to be like the clay that allows itself to be molded in order to be transformed”. Recovering hybris as a symbol of creation and a redemptive function has guided this investigation, entangled in the Gambioluteria Research Group. The globular chambers shaped by the Master’s hands in his ocarinas here receive the hybris of breath…


Henrique Iwao told us a bit about the process involved in creating the album Without the Beatles and retrieving the album’s material, recorded in 2007! He and Mário Del Nunzio also provided comments on each of the tracks. Additionally, using footage from that time, a music video for Del Nunzio’s Amarelo Submarino was made. See it below.

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In 2007, myself (Henrique Iwao), Mário Del Nunzio, Rafael Montorfano (AKA Chicão), and Lucas Araújo and I got together with the intention of recording an album of piano pieces, supposedly based on Beatles’ songs. The project was part of the plans we had for our band – O ‘Mundo’ Entre Aspas (The Quote Unquote “World”) – a band that would perform “covers”: versions of the chosen songs, but with no intention of fidelity to the originals. Also, in that time, at least Mario and I were listening to Michael Finnissy – Verdi Transcriptions, for example, and wanted to try something like that. Thus, each of us chose between 4 and 5 songs. From Friday night to Monday morning, in a recording schedule that started early and went into the night, we were at the auditorium of the Institute of Arts at Unicamp. We brought the computer and the pre-amplified sound card I had just acquired; we used 5 microphones kindly lent by the music department. We played the Kawai grand piano to exhaustion (which was not exactly good: in a session with Montorfano and Araújo, 3 strings of the high register broke).

The result was a few gigabytes of audio, covering the initial plan, except for two tracks by Montorfano. Araújo’s version of YesterdayDia de Páscoa (a crude, atonal gestural imitation of the original song) – ended up being released on a homonymous EP, on April 2007. This EP also contained a parody of Because (Pelo Motivo de Que), recorded by Montorfano and combined with lyrics in Portuguese full of intentional misunderstandings. In addition, the EP contained other tracks with materials recorded there, including a rendition of Pachelbel’s Canon. But that’s it. That is: the other tracks – the vignettes recorded by the honorary band member Alexandre Torres Porres, and the track playing Araújo’s single, as a band, “live” – with bass, guitar, 2 keyboards, and electronic drums – were already a deviation. Even though, at that time, I had mixed my version of Penny Lane and Del Nunzio his versions for Help, Twist and Shout, and Yellow Submarine, the intended album was not completed.

Notwithstanding, from time to time, I enjoyed re-listening to the tracks that had been finished, and I always showed them to friends who appreciated my musical production. When handling my digital backup, I would glance over the folder Tribute to the Beatles with fondness, thinking: someday, perhaps, we will get back to this project and publish the planned album.

Sixteen years later, during the limbo period that everyone who finishes doctoral theses falls to, I revisited the material and started working. Two months later, I urged Del Nunzio to finish his fourth track – I had my other three ready, plus some other material (two tracks by Araújo and one by Montorfano, which ended up being left out; two bonus songs that, due to their wacky and unpretentious tone, didn’t fit – I published them on the digital EP “4 Arrangements“: 4 Arranjos). Then, in December 2023, I traveled to São Paulo in order to finis the mix and master of the album. A relevant part of Adeus Olá and Alameda Pipi were discarded; A Que Vem o Filho was completely reordered. We adjusted volumes and talked about the compression in Ela Ama-te. The album was finally going to see daylight.

But not exactly as we planned in our youth, of course. The fact is that we loved to make grandiose plans, in our numerous “theoretical rehearsals.” The album booklet, for example, was supposed to contain a “bizarre text about beetles and the most common mistakes made when referring to them and their habits.” Instead, it contains this little story. And subsequent comments about the tracks, ending with Mario’s comments on his pieces. The album title acquired a more sober tone, reflecting the musicality of the pieces. To ensure musical coherence and consistency, we ended up restricting ourselves to our pieces (Araújo and Montorfano have long been interested in other areas, inside and outside music). Without the Beatles is, for me, the realization of a dream, a small, but valuable, dream. I hope you enjoy it.

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Adeus Olá: I never had a cell phone, and even regarding the regular phone, I wouldn’t answer calls if I was doing some other task. So, when thinking about how to adapt Hello Goodbye, one of my favorite Beatles songs, the idea that I never answered the phone came up. Hence the somewhat gloomy beginning, in which the cell phones of the other members call me but are not answered. As they were placed on the strings inside the piano, and were vibrating, they produced beautiful deep sounds. They are accompanied by mysterious chords, introducing the sound of the prepared piano that dominates the second part of the composition. I wanted a celebratory atmosphere close to the original song’s coda and thus asked Valério Fiel da Costa, a specialist in piano preparation (among other things), to insert screws and rubbers between the strings, so that all notes would contain spectral content compatible with the D major chord. After four hours of work, I was able to record ramblings around D major, contrasting the material with asymmetrical scales à la Xenakis, to give some mobility to the texture. It felt necessary to have someone saying “hello”, so each member was recorded shouting, with their mouths turned to the strings of the piano, to capture the resonance. Philip K. Dick has a book with a ridiculous premise – Counter-Clock World, in which the time goes backwards, and people greet each other saying “goodbye” and depart with a “hello”. With the last “hello”, I also wanted to imprint something grandiose, a final farewell. I tried something that sounded akin to the wall of sound of A Day in the Life.

A Que Vem o Filho: as the song title indicates (which could be literally retranslated as “What the Son Comes For”), the practice of poor translation was not just a metaphor for certain compositional operations we employed. Here Comes the Sun has “sun” read as “son” and “here” (aqui in Portuguese) replaced by the almost homophonic expression a que. Before the recordings, I prepared two arrangements based on the Beatles song’s melody – an Amelie Poulain version and a mashup version with White Trash Heroes by the band Archers of Loaf. Both didn’t make it into the final composition but are available, as somewhat funny versions, on the EP 4 Arranjos. A variation of the first arrangement is present as the piece’s ending, and improvisations on the second gave rise to sections 2 and 5 (which should also have an agitated atmosphere, reminiscent of the final movement of Prokofiev’s 7th Sonata). Between them is an attempt to transform the original into a litany, recorded while listening to the Beatles’ recording, followed by a series of hammering attacks, melodically deformed in relation to the starting point so as to become a contrasting section. The piece has a mosaic character, with a beginning which is inexplicable even to me.

Alameda Pipi: originally, as conceived and mixed in 2007, it consisted of 9 improvisations, overlaid 3 by 3. When we were mastering, we came to the conclusion that the middle section, besides being less expressive, was not structurally necessary. I still have the recording plan from that time, which demands to play “improvisations”, imitating (i) the bass line of Penny Lane, while listening to the Beatles’ music using headphones. Then, do the same, but listening to the recording of the improvisation on the piano. And after that, repeat, now listening to the second recording. Once the bass line was done, the process had to be done again, now starting with an imitation (ii) of Penny Lane‘s piano line, and finally (iii) of the original song as a whole. Having done that, it would just be a matter of superposing the first group of three recordings, followed by the second group and then the third group. As can be heard, I treated the notion of imitation quite flexibly. The important thing was to give my best while playing.

Patati Patatá: a deconstructed version of the song Patati Patatá (A Vida Segue), which in turn is a parody of Ob-la-di, Ob-la-da. Despite my affection, the Beatles’ song is silly without managing to be light – its dragging arrangement doesn’t help. Initially, I prepared a score – I transposed everything to a minor key, seeking to explore the weight, felt in the original, as sorrow. I made everything more dramatic, but trying to maintain the pathetic side in view, with a certain distance. The sequences were meant to remind one of something theatrical, perhaps Kurt Weill-like, perhaps the idea of a gothic cabaret. When it was time to record, I played very poorly and had to repeat the simple sequences of the accompaniment numerous times. Thus, I got quite desperate, in 2023, when I had to deal with so many mistakes while editing. Days passed, and I had a moment of enlightenment. The composition would be the result of selecting and reordering the most interesting mistakes – critically taking the mistake as material. Instead of erasing them, play with their rhythms and pauses. If life goes on, it’s because there are days and days. And there are also interesting aspects in the days in which our inabilities come to surface.

Comments by Mário Del Nunzio on his pieces:

Ajudai: a dramatic version of the original song. It is structured around the alternation of two main elements: a dense interplay of chords on two pianos (which occasionally trigger samples of the song) and a melodic line that holds a certain similarity to the referenced song, centering around a polarized note, insistently repeated.

Ela Ama-te: this is a piece for piano and electroacoustic sounds, which were obtained mainly through ring modulation. Unlike the other three pieces, it was edited only in 2023, and without many memories regarding the original recording plan. In the editing process, I found a relatively linear sequence of about 100 chords (expanding in small steps from the middle to the extremes of the piano), played in different ways (staccato, with resonance, arpeggiated in both linear and non-linear manners). I then created a structure based on the demarcation of rhythmic characteristics of the original song – but played at half speed. I also used the original song to make some of the modulations used in the electroacoustic part. Even so, it is the track that shows least connection, at least on the surface, to the original song.

Requebra-te e Grita: a frozen chord, chord which has been used countless times throughout the repertoire of Western music over numerous centuries but, perhaps for socio-economic reasons, can be interpreted as an index of a specific song.

Amarelo Submarino: different elements, which are taken exclusively from the verse of the original song, appear overlaid, with subtle distortions and spread across all piano registers. Each of these elements was recorded at two different tempi: one same tempo applied to all and a different, specific tempo for each of the elements. In this way, the music operates between rhythmic unity and the superposition of different tempi, providing new outcomes from the relationships between the layers. Almost hidden at the end, a small joke, with a long fade-out – an indirect reference to a procedure that may have occurred (I can’t guarantee) in more than one track of the “honored” band.

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In July 2024, Del Nunzio and Iwao made a participation on Cultura FM radio’s Supertônica program, talking to Arrigo Barnabé about the album. You can listen to it at here.


Ricardo Nachmanowicz: HearingFreeImprov

The notion that listening to improvised music (free, at least) should be directed towards the musicians presence and constantly actualized is a fragile bet, in my opinion, if we regard improvisation’s sense of listening. If I’m not mistaken, and it’s always a pleasure to be mistaken about these matters, Barnett Newmann was the first to claim presence as a function (the term comes from Kosuth) in art:

Looking from the site you feel, ‘Here I am’, here… and outside [beyond the boundaries of the site] there is chaos, nature, rivers, landscapes… But here you capture a sense of your own presence… I got involved with the idea of making the viewer present: the idea that ‘Man is present’.

There are important contrasts when it comes to music. Newman gives as example a finished work, thought out in advance, separated from nature and chaos. Presence, in this case, takes as long as we deem necessary for that encounter, for as long as the predetermined waves of the work emanate.

From this point on, I refer to the improvisations at Boteco Ruído #23 at Galeria Mama/Cadela, when I was able to think about these issues while listening to Sumalgy Nuro, Patrícia Bizzotto, Henrique Iwao and Marco Scarassatti.

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A place, of course, produces a cut-off and separates us from the rest of the world, but when the musicians begin, no one is yet separated from the chaos or the nature of sound. In music, presence alone does not make up an improvisation. What presence confers is nothing other than unconstituted sounds, sounds that nature produces; not constrained to a form. Allowing oneself to be guided only by presence, by the mode of curiosity or by actualization, brings about what I’m calling a fragile sense of listening. I say it’s a superficial sense because we gain little when we are diffusely guided by curiosity, wandering between what is happening, immediately happening or what is yet to happen; the same goes for the physical presence of the musicians. I’m proposing that listening to free improvised music is not the same as a therapy for changing frequencies due to psychic tremors, updating states of probability on an island of strangeness or the validity of a regime of ‘anything can happen’.

I have in mind a complement to the “invariance” thesis, laid out in the book Morfologia da obra aberta (Morphology of the open work) by Valério Fiel da Costa. The thesis, in short, says that musicians, in the context of a non-idiomatic improvisation style, as is the case of free improvisation, are each irreducibly a language of their own, even if in a non-idiomatic universe. I want to think of this context precisely to characterize not the structuring of the work, but the listening sense through which an audience becomes capable of grasping the complex play of invariances, as characterized by Valério.

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Once the centrality of the concept of presence in music has been discarded, I adopt the concept of listening sense as the guiding attitude in a musical context. In idiomatic improvisations, such as rock or blues, I have a fitting sense of attention and concentration. It’s possible to judge an improvisation of this kind as original, difficult, exciting, etc. You can compare the breadth of the musicians. You can mark mistakes and insecurities. You come across personal style through phrasing, timbre and accents.

In free improvisation there is also a listening sense, there are things to be done and pursued, work; things that are different from just being affected or letting yourself be taken up by presence. There is a listening function in free improvisation. There is no notion of execution error. But there is a notion of commitment on the musicians side in regard to the possible atmospheres or aesthetics resulting from the sounds emitted in the open present. There is no notion of difficulty or simplicity of execution. There is attention to the cycles of entry and exit of the instrumentalists, the interactions, dialogues and solutions in the face of the different languages. Continuity or discontinuity do not constitute the telos of listening. In free improvisation, the sense of listening shapes instrumental personalities; defined as a result of the invariances perceived through the games played by the instrumentalists, and, negatively, through what they can’t reduce or add to themselves. The instrumental personalities are formed over the course of listening, they are the atmospheric semblance of the invariants of choice, decision, silence, exit, irony, affront, etc.

In free improvisation, it turns out that virtually everything could happen, but that there is actually only enough time and space for a small part of everything that could happen to happen. Symmetry or equality aren’t happening. Equipollence or parity aren’t happening. That is so in improvisation. In theory, everything could happen, but we just happen to be who we are; in a small space fraction and on a reduced time scale that we will reconstruct it all, when we listen to free improvisation.


Próximos lançamentos da / Next on Seminal Records. SR093 Diane Labrosse & Patrícia Bizzotto: QI PS CHIII; SR095 Infinito Menos: Três-Tríade-Triângulo-Trio.